TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR
PERIÓDICA SOB O OLHAR
PSICANALÍTICO
José Kleber Fernandes Calixto
Transtorno alimentar é
qualquer tipo de alteração relacionada a alimentação e que não esteja vinculada
a fatores metabólicos, fisiológicos e econômicos, e que traga grande sofrimento
à pessoa com perdas no campo psico-físico-social, em alguns casos extremos,
podendo levar a própria morte.
Embora,
algumas abordagens possam atribuir esses distúrbios a fatores socioculturais
como a supervalorização à magreza, estabelecendo um
“padrão de beleza” que é impossível de ser atingido pela maioria, levando a
sociedade a discriminar pessoas obesas, nem todas as pessoas que estão expostas
a esse tipo de demanda social e que buscam o corpo ideal apresentam os mesmos
transtornos alimentares mostrando a falha desse psicodiagnóstico descritivo.
Neste
sentido, ouvir o que a psicanalise tem a dizer nestes casos é imprescindível
para uma compreensão mais profunda e desvendamento psicopatológico deste tipo
de distúrbio.
A
compreensão e a interpretação destes transtornos que afetam o comportamento alimentar
têm sua gênesis nas relações objetais infantis. O paciente apresenta como
problemática central deficiências egóicas com severo prejuízo de seu self
sofrendo alteração em sua própria imagem corporal ou em sua percepção ou
interpretação dos estímulos corporais levando a um sentimento de impotência e
falta de autonomia.
Vale
então neste momento perguntar: quem é esse ser com transtorno de compulsão
alimentar?
Esse indivíduo em sua
primeira infância viveu nas suas primeiras relações (pai e mãe) a falta do
investimento narcísico (narcisismo primário) e a falta de auto-regulação
(adaptação do Ego). Esta maternagem falha gera a síndrome do apego ansioso
resistente, onde o bebe não sente o apoio protetor da mãe. A partir deste
fator, a criança canaliza catexizadamente todo o investimento narcísico não
recebido da mãe no desejo da gratificação imediata dada ao corpo que é o objeto
de abandono na infância. Em outras palavras, toda a libido se volta para o
corpo. Desta ausência vem a patologia do vazio absoluto, no qual é desvelado e
inscrito no self o discurso da mãe sobre si – discurso de desamor, da desvalia,
do desprezo. A mãe é o espelho onde a criança desenvolve a sua auto-idealização
do corpo. O amor da mãe pelo corpo do bebe, deveria levar o bebê a se
auto-idealizar formando assim uma autoimagem fortalecida e segura. É o que se
chama a “fase do espelho”. A criança olha para o espelho-mãe e idealiza o seu
corpo e espera o “reflexo” do espelho-mãe” que é a palavra carregada de
afetividade, fazendo a criança se vê amada e desejada.
Contudo,
em razão dos registros de desconexão da figura materna no self ainda em
formação, estabelece-se o esquema onde o corpo é desinvestido da libido que lhe
poderia garantir um preenchimento narcísico e um sentimento positivado de
existência no discurso do outro. Neste momento, acontece odestroçamento da
relação objetal com a perda da posição libidinal (de objeto de desejo) no qual
a criança recebia todo o investimento amoroso maternal.
A
partir desta perda, abre-se a ferida narcísica com inscrições de perda da
onipotência e do Eu-ideal quebrando a cadeia integrativa do self (auto-estima,
auto-segurança, auto-confiança), causando uma retirada da libido do objeto
perdido (investimento materno) para o objeto abandonado (ego) representado e
identificado no corpo. Diante destes eventos que circunscrevem a nova posição
do sujeito no discurso materno, dá-se a formação de um self melancólico caracterizado por um sofrimento, um mal-estar
psíquico avassalador que passa a reagir a esta perda através de uma pauta
melancólica, por meio da qual o sujeito se situará no discurso sobre si
dizendo: “eu não sou nada”, “eu não sou e nem nunca fui nada”.
Por
causa do processo identificatório que o Self fez com o objeto perdido, ele
assume um caráter violento contra si mesmo e entra num movimento de assassinato
de si mesmo que ao mesmo tempo representa (imaginariamente) um ser sem valor e
desprezível(por isso foi abandonado) e o objeto perdido que abandonou. O Self
melancólico assim acende ao estatuto de vileza, de desvalia e de desprezo
contra si mesmo atacando a si mesmo com autoacusações e autoflagelos.
Neste
momento o ego tendo dois caminhos: a) Manter
o objeto dentro de si, e assim, desiste do mundo, se retrair pra dentro
quando acontece uma hemorragia de libido e de catéxia no próprio ego, gerando
uma quantidade enorme de excitação que não é desfeita sem o objeto pedido, e
assim causando uma tensão de igual intensidade no aparelho psíquico que não tem
outro modo de ser desfeita senão através do sofrimento e da dor contra o
próprio ego (representação do objeto perdido dentro de si [esta é a melancolia
clássica que gera depressão com toda a sua sintomatologia porque na melancolia
não há apenas a introjeção do outro, mas a incorporação do objeto]), ou b) desistir e abandonar o Self como locus de
inscrição permanente do outro perdido e como mecanismo de defesa gerando um
outra modalidade de sofrimento, que é a fixação do ego no processo primário
regido servilmente pelo princípio do prazer e evitação da dor.
Neste
estágio, o ego imaturo que prima-se por alcançar o prazer ou gratificação
imediata, lança toda sua catéxia (energia libidinal) na busca de substituir o
objeto perdido original por outros objetos que passam a representar
(deslocamento) o discurso do objeto original (mãe). Isto faz com que todos os
mecanismos de defesa do ego maduro não funcionem, funcionando apenas os
mecanismos de defesa do processo primário (deslocamento, projeção, fantasias etc.)
que visam apenas a manutenção discurso de Eu-ideal perdido no outro-originário, para os outros-projetados.
Neste
jogo, o pensamento do indivíduo volta a ser o pensamento do processo primário,
ou seja, ilógico, atemporal, confuso, não verbalizado e inconsequente. E neste
processo de busca e reedição do gozo do objeto primário (mãe) em outros objetos
(pessoa-alimento), encontra-se a fantasia da incorporação do objeto perdido
(Torok). A perda sendo recusada, o indivíduo melancólico (melancólico porque
não faz o luto da perda), através da identificação narcísica, tenta manter o
objeto dentro de si através de representações deste objeto
Contudo,
as falhas do primeiro objeto que abriram a ferida narcísica são novamente
encontradas (porque são representações fantasmáticas) nos outros objetos,
causando uma reedição da mesma ferida narcísica, o que leva ao mesmo discurso
sobre si mesmo rejeitado, mas também introjetado (discurso de desvalia, de
desamor e de desprezo). Com isso desperta no Self a dor melancólica do estatuto
de perda do Eu-ideal e de EU-IDEAL-NO-OUTRO, o que gera uma neurose de angústia
ficando
assim como auto-imagem a sensação de vazio, de insatisfação e uma angustia que
se revela na relação com o próprio corpo.
Em decorrência dessa
reedição da perda do primeiro objeto, o ego já infantilizado regride-se mais
ainda para dentro do processo primário ao ponto onde ainda separava o objeto
bom do objeto ruim agindo com mecanismos de defesa esquizo-paranoide de natureza
psicótica com característica oral-sádicas com prevalência do mecanismo de
introjeção (pulsão de vida, libido).
Com o mecanismo de
introjeção ativado, o ego quer engolir todos e tudo na busca da manutenção discurso de Eu-idealperdido.Com
a não realização desse “desejo”,o ego finalmente parte para o vínculo alimentar que contemplaàs duas
carências – o desejo da experiência de
prazervindo do outro e a defesa
contra a separação do outro. O transtorno
de compulsão alimentar denuncia o fracasso da relação objetal que no primeiro
momento é representado pelas figura materna, no segundo momento (comportamento
de reforço) na relação amorosa com as outras pessoas. Estas relações fixaram na
psique a marca da falta e da dependência do outro, a sensação do
“eu-vazio-sem-o-outro”. Sobrando o vínculo (alimento) como meio
inconscientemente de recuperar a fantasia antiga de completude quando a criança
(quando alimentada) finalmente se sentia amada, abraçada, linda e querida pelo
o outro.
Tudo isso se deve por causa
da maternagem falha,quando a mãe não se mostra suficientemente boa, adaptada às
necessidades da criança, causando uma interrupção na construção do narcisismo
que seria responsável pela construção da auto idealização.
Diante disso, o ego abandona
o Self como local de inscrição da sua própria imagem, promovendoa fixação do
ego no processo primário do estádio do espelho, onde a criança forma uma
representação de sua imagem corporal por identificação com a imagem do outro.
Essa fase do espelho deixa de ser uma fase de construção e estruturação da
própria identidade a partir do investimento da mãe, o espelho (a mãe ou a
imagem que é determinada por ela) torna-se a própria imagem do indivíduo que
sempre é vista fora do self e do próprio corpo. Assim, o espelho é discurso do
outro sobre si, que é uma imagem sempre igual, inalterada porque é uma imagem
aprisionada a uma angústia vinda do discurso da mãe.
O espelho é sempre o mesmo
(os olhos da mãe) sejam espelhos físicos ou discursos do outro, a imagem é
sempre a mesma. Sozinha, não amada, incompleta.
A compulsão alimentar se dá
pela voracidade (fase oral-sádica em que o ego se encontra) e inveja (que se
instala na personalidade da criança/adulto. A voracidade por alimento se dá
pela sua insatisfação pelo amor e atenção recebidos da mãe, o que leva também a
uma inveja da mãe que a faz sempre ser faminta e se sentindo negligenciada. A
fantasia da inveja é que a mãe deliberadamente recusou dar a ela o leite e o
amor em benefício da própria mãe. Ela quer a imagem da mãe, ela quer a imagem
do outro o que se dá fantasiosamente pela via da oralidade compulsiva que pela
repetição continua tem o papel atender o pensamento obsessivo de ter o outro.
Como disse Abraham e Torok
em seu livro “A casca e o núcleo” “Todas as palavras que não puderam ser ditas,
todas as cenas que não puderam ser rememoradas, todas as lágrimas que não
puderam ser vertidas serão engolidas, assim como, ao mesmo tempo, o
traumatismo, causa da perda. Engolidos e postos em conserva”.
Prof. Dr. José Kleber Fernandes Calixto é Psicanalista e Membro do Conselho Brasileiro de Psicanálise e Psicoterapias.
Possui graduação em Pedagogia pela Faculdade de Teologia de Boa Vista(2010), graduação em Teologia pela Faculdade de Teologia de Boa Vista(2009), especialização em Pós-graduação Lato Sensu em Ensino Religioso pela FAI FACULDADES ALTO IGUAÇU(2015), especialização em Psicanálise Clínica pelo ASSOCIAÇÃO DARWIN DE EDUCAÇÃO E PESQUISA(2012), especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo FUNDAÇÃO ÍTALO-BRASILEIRA(2012), mestrado em Hebraico Antigo pelo Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper(2011), aperfeiçoamento em FORMAÇÃO EM HIPNOSE CONDICIONATIVA pelo INSTITUTO BRASILEIRO DE HIPNOLOGIA(2013), aperfeiçoamento em HIPNOTERAPIA COGNITIVA pelo Instituto Brasiliense de Neuropsicologia e Ciências Cognitivas(2014), aperfeiçoamento em Hipnose Rápida pelo Instituto Eduardo Rocha(2014) e aperfeiçoamento em Hipnose Rápida pelo Instituto Eduardo Rocha(2015). Atualmente é professor da Faculdade Evangélica de Patos de Minas. Tem experiência na área de Educação.
Referências BibliográficasAbraham,
N. & Torok, M. (1972). A casca e o núcleo. São Paulo: Escuta, 1995 Ferenczi,
S. (1912/1992). O conceito de introjeção. Psicanálise I. São Paulo: Martins
Fontes. Freud,
S. (1914/1996). Introdução ao narcisismo. Obras completas, ESB, v. XIV. Rio de
Janeiro: Imago. Freud,
S. (1917/1996). Luto e melancolia. Obras completas, ESB, v. XV. Rio de Janeiro:
Imago. Lambotte,
M. C. (1997). O discurso melancólico – da fenomenologia à metapsicologia. Rio
de Janeiro: Companhia de Freud.